Magui Guimaraes

Alquimia da Transmutação

A idade Média, foi considerada a idade das Trevas e Obscurantismo, tomado por crenças ditadas pela Igreja Católica que na época, desprezava o pensamento racional, e impedia produções intelectuais, fazendo com que os filósofos, disfarçados de alquimistas, promovessem encontros, para descobrirem como transformar chumbo em ouro e, dada a promessa de riqueza material, as reuniões eram permitidas, mas o real objetivo era refletir sobre a transformação de mentes rasas, metaforicamente denominadas de “chumbo”, em riqueza de vida interior, chamadas simbolicamente de, mentes de “ouro”.
E desde muito tempo, existe uma sede de aplacar a sensação do buraco existencial abafado e por vezes disfarçado em tédio, um incômodo, uma sensação de incompletude que nos inquieta e produz sequelas nos relacionamentos íntimos do ser com ele mesmo, com os outros e com a sociedade que grita por transformações urgentes.

Por onde começar a tarefa de uma construção junto com a vida, já que fazemos parte do único reino que recebeu o dom de refletir, mas nem por isso somos superiores, nem merecedores de algum tipo de privilégio, mas devemos ter cuidado porque tem alguma coisa muito única, não especial, na nossa espécie e que é o nosso trabalho, a nossa obra, nossa missão, nosso dever, nosso compromisso em fazer jus aos dons que recebemos como humanos.

Há muito o que pensar sobre a dimensão da arte, cultura, relacionamentos e espiritualidade, e a condição primeira é estarmos em sintonia com a natureza, não a natureza simplesmente do mato, que também é maravilhosa, mas a natureza nas nossas relações, para fazer desse lugar, algo mais limpo.

Dentro da mente, pode ser um lugar bom para começar a usar o precioso dom de elaborar um pensamento, e adquirir o status de intelectual, que é alguém que pensa e tem compromisso em agir coerente com o pensar. Talvez alguns prefiram ficar na ignorância, porque entender algo, significa ter que se comportar de acordo com a percepção intelectual.

Os dons como a inteligência, bondade e espiritualidade precisam estar juntos, pois caso a inteligência seja desenvolvida sozinha, há o perigo de servir ao ego, que pode ser gentil, solidário e leal para manipular em prol de interesses isolados. A bondade e espiritualidade precisam atuarem juntas, e abrir um espaço para considerar o direito do outro. E, às vezes, nós conseguimos fazer isso, infelizmente menos vezes do que poderíamos fazer, mas quando conseguimos, sentimos o quanto enobrece e aquieta a alma. É gratificante acreditar que todos temos um potencial de bondade a ser manifestado.

Para construir o bem-estar interior recebemos duas ferramentas: O intelecto e a bondade, o primeiro, cria condições cognitivas para a bondade se revelar. Os valores também são frutos da cognição intelectiva, mas para serem adotados, precisam de uma carga de afeto, ou seja, uma sensação de que é gostoso praticar o valor da ética, por exemplo. Na educação não há como uma criança adotar um valor de forma racional, mas sim porque ao ser praticado, traz uma sensação agradável.

O desafio é: Como ser bom com o outro que está cometendo uma infração, uma desonestidade, prejudicando os demais. Chama a polícia ou fica passivo? É ilegal ser conivente com o descumprimento das leis, então a forma mais eficiente de ajudar o outro que está sendo desleal, é aprender primeiro a conversar com o desleal, o desonesto, o manipulador e interesseiro que está dentro de nós, e aprender “como” agir com o outro de forma firme e respeitosa, aceitando em si, o comportamento que precisa ser transformado em si, e no outro.

As relações pessoais são sistêmicas e proporcionam ver o cisco no olho do outro, mas não conseguimos enxergar a trava no nosso olho. Dessa forma, o outro pode estar prestando um grande serviço, quando é veículo de aumentarmos a visão.  Ajudar o outro, requer uma análise anterior, que existem partes nossas, que estacionam, na prática dos dons recebidos, e que é engrandecedor cobrarmos a nós mesmos, a coerência que queremos ver no outro, e que em algum momento, desrespeitamos os próprios valores. Colocar-se verdadeiramente, no lugar de fazer um inventário moral, ameniza a severidade da censura, e a voz é mais suave, porque entendemos, na própria vivência que o justo e o vilão, merecem carinho e correção, mas nunca a crueldade ou a indiferença. Não se pode desistir do outro, pois mais cedo ou mais tarde, a luz entra, porque todos estamos predestinados a sermos bons e generosos.

É preciso entender que mesmo que ninguém esteja vendo, o que se passa no nosso interior, existe um potencial sagrado, uma grandeza interior que merece respeito, relevância e reverência. Que nosso observador interno é implacável em nos cobrar o respeito pelo sagrado. Caso contrário, vamos ficar num lugar de discursos, de narrativas que não avançam, mesmo existindo em nós essa potência da bondade.
Somente vivendo estes dons, que são a nossa potência, a vida tem um significado profundo, trazendo um maravilhamento pelo mundo, um vínculo com o sagrado, que vai inspirar não uma transformação nas formas externas de comportamento, mas uma transmutação na substância, levando a consciência da obscuridade à lucidez.

Magui Guimarães

 

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